Sunday, October 25, 2015

O Viajante

Eu sou um viajante e um trepador de montanhas – disse de si para si – não me agradam as planícies, parece que não posso estar muito tempo sossegado.
Ou seja porque o queira o meu destino ou a eventualidade que me espera, sempre uma viagem há de ser para mim uma ascensão: em suma, cada qual vive unicamente a si mesmo.
Passou o tempo em que me poderiam sobrevir acasos, e que poderia suceder-me que já me não pertença?
O meu próprio ser está enfim de regresso, e quanto dele próprio andou durante muito tempo por estranhas terras, e disperso entre todas as coisas e todas as contingências!
E sei mais alguma coisa; estou agora diante do meu último píncaro e do que me foi evitado durante mais tempo. Ai! Tenho que seguir o meu caminho mais rigoroso! Começou a minha viagem mais solitária.
Quem é, porém, da minha condição, não se livra de semelhante hora, da hora que diz: “Só agora segue o teu caminho de grandeza! Até hoje tem-me confundido num só o cume e o abismo!
Segue o teu caminho de grandeza; veio agora ser teu último refúgio o que até aqui se chamou o teu último perigo!
Segue o teu caminho de grandeza: a tua melhor animação agora é não existirem caminho atrás de ti!
Segue o teu caminho de grandeza: aqui ninguém há de ir em teu seguimento. Os teus próprios pés apagaram o caminho que deixas atrás de ti, e nele está escrito: “Impossibilidade.”
E se, mais adiante, te faltarem todas as escadas, será preciso saberes trepar sobre a tua própria cabeça; se não, como quererias subir mais alto?
Sobre a tua própria cabeça e por cima do teu próprio coração. Agora o mais suave vai-se tornar para ti o mais duro.
Aquele que sempre cuidou muito de si, acabou por se tornar enfermiço com o excesso de cuidado. Bendito seja o que endurece! Não gabo o país onde fluem manteiga e mel!
Para ver muitas coisas precisamos aprender a olhar para longe de nós: esta dureza é necessária para todos os que escalam os montes.
O que porém investiga, com olhos indiscretos, como poderia ver mais que o primeiro terno das coisas?
Mas tu, Zaratustra, que querias ver todas as razões e o fundo das coisas, precisas passar por cima de ti mesmo, e ascender, ascender até as tuas próprias estrelas ficarem abaixo de ti!”
“Sim! Ver-me a mim próprio, e até as minhas estrelas olhando para baixo! Só a isso chamo o meu cume; é esse o último cume que me falta escalar!”

Assim Falava Zaratustra










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