Sunday, October 25, 2015

Lágrimas à Sócrates

Atualmente, posso finalmente dizer que alcancei uma felicidade de vida próxima à plenitude, bem comigo mesmo, certo de meus ideais e buscas, uma alegria com suas serenidades e euforias em estar vivo, vivendo... minha vida é maravilhosa e eu amo vivê-la. Este relato estará escrito em outro texto; aqui, enfatizo apenas o final deste meu ímpeto pela felicidade da vida, seu último grande ápice.

Posso agradecer recentemente à um ápice deste momento de alegria suprema, num dos maiores orgulhos do que alcancei comigo mesmo, ao terminar de ler a Apologia de Sócrates, e os demais escritos/diálogos de seu julgamento e sentença (Eutífron, Críton e Fédon).
E eis aqui o relato de minha eterna busca de vida pela elevação, pelo amor e pelo conhecimento, acompanhado de uma das mentes mais magníficas e brilhantes da humanidade: Sócrates.
Viveu pelo conhecimento. Morreu pelo conhecimento.

Saibam que nunca tive uma comoção semelhante deste nível. Saibam que tive um dos ápices do orgulho de mim mesmo e do que alcancei: Após terminar Eutífron, no momento em que iniciaria a Apologia, caí em pranto por Sócrates... triste por já saber seu destino, triste por sê-lo vítima de tal acaso de injustiça, triste pelo fato de a ignorância alheia o ter condenado, esta nobre figura do conhecimento, vítima da mediocridade vã, que me inspirou e cativou de tal maneira a me fazer lamentar seu destino, como um dos mártires de meu maior ideal.
Grandioso em sua vida, fez dela sua busca e por ela pereceu, sábio e vívido, coerente e íntegro. Este era Sócrates.
Suas palavras a soar no relato pareceram-me como ditas perante a mim mesmo e o júri; sua defesa atendo-se apenas a verdade, sem explanações ou apelações, sua postura perante as penas que lhe poderiam serem impostas, como o exílio ou o silêncio de suas ideias, sendo respondidas com a genialidade de sua retórica:

“Se vos dissesse que esse é o maior bem para o homem, meditar todos os dias sobre a virtude e acerca dos outros assuntos que me ouvistes discutindo e analisando a meu respeito e dos demais, e que uma vida desprovida de tais análises não é digna de ser vivida, se vos dissesse isto, acreditar-me-iam menos ainda.”

E mesmo condenado, sua serenidade não se abalou e devolveu apenas a verdade, com a eloquência de seu saber, demonstrando a falta de caráter e racionalidade de seu condenadores:

“Engano! Perdi-me por falta, não de discursos, mas de atrevimento e descaramento, por me recusar a proferir o que mais gostais de ouvir, lamentos e gemidos, fazendo e dizendo uma porção de coisas que declaro indignas de mim, tais como costumais ouvir dos outros. (...) Agora, vamos partir; eu, condenado por vós à morte; eles, condenados pela verdade a seu pecado e a seu crime. Eu aceito a pena imposta; eles igualmente. (...) Se imaginais que, matando homens, evitareis que alguém vos repreenda a má vida, estais enganados; essa não é uma forma de libertação, nem é inteiramente eficaz nem honrosa; esta outra, sim, é a mais honrosa e mais fácil. Em vez de tapar a boca dos outros, preparar-se para ser o melhor possível. Com este vaticínio, despeço-me de vós que me condenastes.”

E a seus discípulos, dedicou-lhes o exemplo de um mestre mais do que digno, tanto em seu consolo quanto a seu único pedido:

“Se não há nenhuma sensação, se é como um sono em que o adormecido nada vê nem sonha,
que maravilhosa vantagem seria a morte! (...) Se, do outro lado, a morte é como a mudança daqui para outro lugar e está certa a tradição e que lá estão todos os mortos, que maior bem haveria que esse, senhores juízes? (...) Vós também, senhores juízes, deveis bem esperar da morte e considerar particularmente esta verdade: Não há, para o homem bom, mal algum, quer na vida, quer na morte, e os deuses não descuidam de seu destino. (...) No entanto, só tenho um pedido a lhes fazer: quando meus filhos crescerem, castigai-os, atormentai-os com os mesmíssimos tormentos que eu vos infligi, se achardes que eles estejam cuidando mais da riqueza ou de outra coisa que da virtude; se estiverem supondo ter um valor que não tenham, repreendei-os, como voz fiz eu, por não cuidarem do que devem e por suporem méritos, sem ter nenhum. Se vós assim agirdes, eu terei recebido de vós justiça; eu, e meus filhos também.”

Neste momento ao final da Apologia, parecia-me que ouvia um mentor, como a todos seus amigos e discípulos ali o escutavam... e seu clamor me tocou como nunca. Selado seu destino, pleno de seu ideal, e nesta máxima resposta a sua condenação e a seus próximos. Ao continuar, em Críton, como o próprio ao final, não pude conter mais lágrimas... agora a tristeza se mesclava as lições que Sócrates continuamente demonstrava de sua ética e de sua dignidade, interrompendo o pranto, visto que ele sabia o que fazia, e estava sendo nada mais do que racional, então como derramar lágrimas por uma decisão sábia e racional e de livre escolha do próprio sábio? Ética e dignidade estas ao mostrar-se negativo em abandonar a prisão, visto que aquilo não estaria de acordo com a justiça ateniense e que mancharia o seu ideal que tanto defendeu.

“S.: - Por conseguinte meu caro Críton, não deve nos causar preocupação aquilo que o povo dirá, mas sim o que dirá o único que sabe o que é o justo e o injusto, e este único juiz é a verdade. Poderás então concluir que estabeleceste princípios falsos quando disseste que devíamos nos preocupar com a opinião do povo a respeito do justo, do bom, do digno e de seus opostos. Talvez digam: o povo pode fazer-nos morrer.
C.: - Dirão assim com certeza.
S.: - Afirmas a verdade. Porém, estimado amigo, as razões que acrescentamos são as mesmas que antes. E, por isso, analisa se não devemos dar máximo valor ao viver, mas sim ao viver bem.”

Sei que o mesmo desaprovaria minhas lágrimas, como desaprovou de seus amigos presentes, segundo ele por “Não haver motivos.”, e eis o motivo de eu enxuga-las, além do motivo de sua ética e lógica me iluminarem com alegria de que este homem fazia a coisa certa e honrosa. Mas não bastou... nem mesmo seus amigos e testemunhas próximas se contiveram, mesmo com o clamor do próprio a seu lado... sereno e sábio como sempre... até o fim.
Em Fédon, com todos seus amigos, Críton, Fédon, Apolodoro, Símias, Cebes, entre outros, fui testemunha de suas observações e diálogos finais. Mostrando-se superior pelo conhecimento, mas sem rebaixar ninguém, até o final, como um dos maiores símbolos da sabedoria humana.

“O homem que se dedicou aos prazeres que têm por finalidade o conhecimento e que dessa forma embelezou sua alma, não com ornatos estranhos e prejudiciais, mas sim com o que é especificamente seu e mais lhe convém, como o comedimento, a justiça, a coragem, a liberdade, a verdade, espera com confiança e coragem pelo momento de iniciar sua caminhada para o Hades quando seu destino o chamar. Vós, certamente, Símias, Cebes, e todos os demais, mais tarde vos poreis a caminho. Quanto a mim, meu destino me chama neste momento, como diria um ator de tragédia.”

Após selar seu destino esvaziando a taça, todos os seus amigos que ali presente estavam não conseguiram mais conter as lágrimas e seus impulsos, assim como eu, novamente , como se ali estivesse, como se a um mentor tivesse perdido, um amigo... e eis que como um suspiro para nós:

“- Que estais fazendo, meus amigos? – disse-nos. – Não foi por isso que mandei as mulheres saírem, por sua falta de comedimento, porque a mim ensinaram que se deve morrer com belas palavras? Permanecei, portanto, tranquilos e demonstrai maior coragem.”

Em uma das maiores injustiças da história, um de seus acasos mais tristes, Sócrates padeceu... mas não teve seu fim, jamais terá.
 
“Podemos afirmar que foi o melhor homem entre todos que conhecemos, o mais sábio e o mais íntegro.”

Ao terminar essa obra, fui tomado por uma emoção, uma comoção, mas desta vez não era tristeza... não... não dessa vez. Senti que evoluí como ser humano, tendo lido cada palavra de sua sabedoria em vida perante a morte. Um sentimento magnífico de plenitude me preencheu, como eu não sentia ao ler uma obra desde Assim Falava Zaratustra... me senti feliz, e não havia mais espaço para lágrimas, não de tristeza, à Sócrates; apenas a magnitude do conhecimento ensinado pelo mesmo que me fez um ser humano melhor, superior ao que eu era.

“Bem, é chegada a hora de partirmos, eu para a morte, vós para a vida.”

Lágrimas à Sócrates, apenas de alegria máxima, mesclada ao riso, provocada pela euforia da plenitude, alcançada pelo conhecimento naquele instante. À Sócrates, um dos mártires de meu maior ideal.


Realço novamente aqui, o quanto me senti orgulhoso de mim mesmo e do que alcancei, desta nova e grandiosa evolução interna.

É nosso dever como andarilhos pelos confins da Mente, do Mundo, do Universo, em busca do conhecimento, estarmos sempre em busca do mesmo. Sempre!
Conhecimento é poder! Conhecimento liberta!
Não quis ser nada menos do que a pessoa mais feliz do Universo...
Graças ao Conhecimento, estou conseguindo...

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