Sunday, January 11, 2015

O Olhar Inquisidor


Fria e calmamente você desata os nós de mágoas e resquícios de desapontamento.
Oriundos da ausência quase constante, quase onipresente...
Descrença escorre pelas mãos e pés a cada passo no musgo espesso, o musgo da descrença. Há lama suficiente para cada movimento ser um fardo à cada membro, uma tarefa ardilosa é continuar à caminhar neste pântano.
E até quando será que subjugar-me-ei atravessá-lo? Até quando proveitoso será atravessar o pântano na esperança de um límpido lago encontrar...? Este lago que é a esperança em si, a confiança na mesma...
Mas.... não o sei, e, quem garantirá que tal lago será o mesmo? Com a mesma temperatura, o mesmo brilho, o mesmo frescor doce?
Sendo claro a mesma musa à sua margem, quem será, porém, Eu mesmo?
Se a abundante lama e o espesso musgo, capazes foram de desconstituir-me, a serenidade do lago, sendo a mesma de outrora, talvez não signifique tanto para refrescar-me em suas águas.
Posso sentir a brisa à frente vinda do lago, mas em volta ainda avisto somente pântano, acima, um céu liso e negro, com uma luz prateada no centro de sua imensidão, neutra como um observador inquisidor, que nada me diz, nada responde... apenas ali, fixa e onipresente... quem o é? Talvez... talvez o detalhe na imensidão negra que a prova não ser um vazio absoluto, não ser uma ausência pura. E assim que reconheço tal enigma, e dirijo-lhe o olhar questionador e analítico transcendental do andarilho que se isolou na montanha, sua luz responde-me refletida em meus olhos, meus olhos que agora são o inquisidor:
Não há onipresença na escuridão, pelo contrário, a luz que sempre o é, na imensa escuridão como um brilho de existência; não existe a escuridão, e sim a ausência de luz.
Com estes dizeres, não sou mais Eu mesmo. Ao olhar para frente, agora possuo o olhar inquisidor da luz prateada.

Monday, January 5, 2015

Da Árvore da Montanha


“Tenho o coração desfibrado. Melhor do que as tuas palavras, dizem-me os teus olhos todo o perigo que corres.
Ainda não és livre, ainda procuras a liberdade. As tuas buscas desveleram-te e envaideceram-te demasiadamente.
Queres escalar a altura livre; a tua alma está sedenta de estrelas; mas também os teus maus instintos têm sede de liberdade.
Os teus cães selvagens querem ser livres; ladram de alegria no seu covil quando o teu espírito tende a abrir todas as prisões.
Para mim, és ainda um preso que sonha com a liberdade. Ai! A alma de presos assim torna-se prudente, mas também astuta e má.
O que libertou o seu espírito necessita ainda purificar-se. Ainda lhe restam muitos vestígios de prisão e de lodo; é preciso, todavia, que a sua vista se purifique.
Sim; conheço o teu perigo; mas, por amor de mim te exorto a não afastares para longe de ti o teu amor e a tua esperança!
Ainda te reconheces nobre, assim como nobre te reconhecem os outros, os que estão mal contigo e te olham com maus olhos. Fica sabendo que todos tropeçam com algum nobre no seu caminho.
Também os bons tropeçam com algum nobre no seu caminho, e se lhe chamam bom é tão somente para o pôr de parte.
O nobre quer criar alguma coisa nobre e uma nova virtude. O bom deseja o velho e que o velho se conserve.
O perigo do nobre, porém, não é tornar-se bom, mas insolente, zombeteiro e destruidor.
Ah! eu conheci nobres que perderam a sua mais elevada esperança. E depois caluniaram todas as elevadas esperanças.
Agora têm vivido abertamente com minguadas aspirações, e apenas planearam um fim de um dia para o outro.
“O espírito é também voluptuosidade.” – diziam. E então o seu espírito partiu as asas; arrastar-se-á agora de trás para diante, maculando tudo quanto consome.
Noutro tempo pensavam fazer-se heróis; agora são folgazões. O herói é para ele aflição e espanto.
Mas, por amor de mim e da minha esperança te digo: não expulses para longe de ti o herói que há na tua alma!
Santifica a tua mais elevada esperança!”
Assim falava Zaratustra.